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Foto do escritorPovos indígenas e cartografia histórica

1936 | Curt Nimuendajú, Povos Indígenas e a Cartografia da Resistência

Atualizado: 26 de jan. de 2023

Um olhar sobre do Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes (1936) que compõe o acervo do Museu do Estado de Pernambuco (MEPE)



Por Renato Athias (NEPE/UFPE)



À esqueda Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes, ao fundo algumas peças da Coleção Carlos Estevão que compõem a exposição “Pernambuco, território e patrimônio de um povo”
À esqueda Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes, ao fundo algumas peças da Coleção Carlos Estevão que compõem a exposição “Pernambuco, território e patrimônio de um povo”

Curt Nimuendajú (1883-1945) inovou quando em 1936 elaborou o primeiro mapa linguístico e étno-histórico sobre os povos indígenas no Brasil. Sim! Foi ele quem primeiro juntou três tipos de dados (históricos, linguísticos e geográficos) que estavam dispersos em diferentes fontes e os colocou em um só lugar e deu “visualidade" em formato de uma cartografia social para estas informações. Este trabalho pioneiro será seguido por outros antropólogos no Brasil e nas Américas.


"O ser que cria ou faz seu próprio lar" é o significado, em língua guarani, do nome Nimuendajú, que o alemão de nascimento Curt Unkel adotou, por ter sido introduzido entre os Apapokuva-Guarani de São Paulo, onde viveu e onde aprendeu a falar o Guarani em 1905, início da sua carreira científica no Brasil.


O antropólogo Alfredo Wagner de Almeida (1993) se utiliza dessa mesma ideia e publica um livro-mapa para os empreendimentos do Carajás, na década de 1990. O Instituto Socioambiental (ISA) também se utilizará desta mesma ideia e elabora o livro mapa da Região do Rio Negro no Amazonas, entre vários outros antropólogos que fazem o mesmo em suas áreas de pesquisa.


Eu fiquei admirado em dezembro de 2015 quando, durante o lançamento, do Livro: Reconhecimentos dos Rio Içana, Ayari e Uaupés, Apontamentos Linguísticos e Fotografias de Curt Nimuendaju (Athias 2015), em um debate no auditório do Museu do Índio, no Rio de Janeiro, o público presente se surpreendeu por eu mencionar a existência desta versão do mapa de 1936, integrando o acervo da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira, do Museu do Estado de Pernambuco. Esta foi, na realidade, a primeira versão do mapa elaborado por Curt Nimuendajú. Aquela época do Brasil de 1936 ela foi oferecida a Carlos Estevão, que prontamente anunciou nos principais museus etnográficos, de sua relação mais próxima, foi assim que esta belíssima obra cartográfica de Nimuendajú veio parar em terras pernambucanas.


Em seguida, certamente a pedido do próprio Carlos Estevão, serão elaborados manualmente outros três mapas. Aquele que se encontra no Museu Paraense Emílio Goëldi, o outro que está na Smithsonian Institution, Washington, nos Estados Unidos, que foi publicado (1940) no Handbook of South American Indians, sem as notações em cores; o terceiro confeccionado a pedido da diretora então Museu Nacional do Rio de Janeiro, Heloísa Alberto Torres, em 1944, que serviu de base para a publicação, em 1982 do IBGE também sem usar a cores”.


A primeira versão do mapa de 1936 mede 1,80 x 2,10cm, contém anotações feitas a mão numa caligrafia singular em cores identificando mais de 40 famílias linguísticas e uma identificação dos etnônimos indicando lugares atuais e sítios abandonados dos povos indígenas existentes e extintos, com uma possível datação de cerca de 1.400 povos; indicado por setas apontando a movimentação desses índios. O mapa também assinala a importante rede hidrográfica das unidades políticas administrativas (da época) onde se localizam os grupos indígenas.


Na realidade, esta metodologia de Nimuendajú da organização cartográficas de informações históricos, linguísticas e etnográficas, já teria sido “testada” quando ele elabora um mapa semelhante, de proporções menores, e mostrando apenas o sul do país, divulgando amplamente pelo então diretor do Museu Paulista, Hermann von Ihering, em 1911, publicado também em artigo na Revista do Museu Paulista (vol. VIII, p. 112-140) em artigo intitulado: “A questão dos índios no Brazil”. Incluindo o 'Mappa Ethnographico do Brazil Meridional' de autoria de Curt Nimuendajú.


Estes mapas mostram as principais contribuições etnográficas e etno-históricas sobre os Povos Indígenas no Brasil. Curt Nimuendajú, inaugura, de fato, uma cartografias social sobre os povos indígenas no Brasil. Uma obra sem precedentes acadêmicos, que dialoga de uma forma precisa e harmoniosa com a história, geografia, antropologia, sociologia, arqueologia e linguística dos povos indígenas no Brasil. Em outras palavras, esta metodologia de confecção de mapas não se atém apenas em destacar as referência geográficas e de localização dos povos indígenas. Contudo, ao contrário, como informa Zarur (1981) apresenta e representa diversas possibilidades de análise, tais como: a) visão históricas sobre os povos indígenas bem como as diferentes áreas geográficas e até mesmo atividades econômicas predominantes entres os povos indígenas do mapa; b) graus de resistência e contato dos diferentes tipos de estruturas sociais e diferentes línguas. O mapa também mostra as c) frentes pioneiras estabelecidas nas áreas de contato com os povos indígenas de acordo com a área geográfica e o período histórico. Evidentemente os mapas vão pode falar: d) sobre a pressão histórica das frentes pioneiras que podem ser indiretamente medidas pela movimentação dos povos indígenas no espaço geográfico específico. Por isso que chamo de mapas da resistência.


O Museu do Estado de Pernambuco com a exposição permanente Pernambuco Território e Patrimônio de um Povo, inaugurada em 2017, buscou celebrar os 80 anos do Mapa Etnolinguístico do etnólogo Curt Nimuendajú que se encontra hoje no acervo da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira referência internacional para fontes bibliográfica sobre a ocupação dos povos indígenas no Brasil. Como um dos curadores da exposição permanente, junto ao colega Raul Lody, a pedido da Diretora do Museu do Estado de Pernambuco, a Arquiteta Margot Monteiro, nos reunimos com a equipe técnica do Museu coordenado por Rinaldo Carvalho e Tânia Borges para decidir sobre o lugar e maneira como seria exposta essa obra que completava 80 anos. Após um exaustivo exame do estado de conservação do Mapa decidiu-se que o Mapa fosse exibido em um suporte especial, por um curto período e depois substituído por uma cópia fac-símile, que está disponível hoje na exposição.


Este mapa, como bem assinalou, Berta Ribeiro (1982), representa a obra de síntese de Curt Nimuendajú e o mapa etno-histórico e linguístico é um legado importante que reúne todo o conhecimento etnológico disponível, com respeito a localização, filiação linguística e os movimentos migratórios dos índios no Brasil. Para elaborá-lo, Nimuendajú reuniu dados de 973 fontes bibliográficas, informações pessoais de pesquisadores e indigenistas.


*Uma primeira versão deste texto foi publicada em agosto de 2017, por ocasião do lançamento da exposição “Pernambuco Território e Patrimônio de um Povo”, ela pode ser acessada clicando: Museu do Estado de Pernambuco – Homenageia os 80 anos do Mapa Etnolinguístico de Curt Nimuendajú em Nova Exposição.



Você pode baixar as diferentes versões do mapa clicando nos links a seguir:




Referências

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Carajás: A guerra dos Mapas. Belém: Falângola Editora, 1993



CALBAZAR, A & RICARDO, B. Mapa-Livro Povos Indígenas do Rio Negro. São Paulo FOIRN/Instituo Socioambiental (ISA) 1990.


IHERING, Hermann von. 1911. A questão dos índios no Brazil. Revista do Museu Paulista, vol. VIII, p. 112-140. [Inclui 'Mappa Ethnographico do Brazil Meridional'] São Paulo: Typographia do Diario Official.


RIBEIRO, Berta G. “O MAPA ETNO-HISTÓRICO DE CURT NIMUENDAJU.” Revista de Antropologia 25 (1982): 175–81. Acesso em janeiro de 2023


ZARUR, George de Cerqueira Leite. Significados e efeitos da publicação do Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendajú para a Antropologia brasileira. In: IBGE; Fundação Nacional Pró-Memória. Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendajú. Rio de Janeiro: IBGE, 1981. p.37-39.

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