1701 | DESCRIÇÃO DA DIOCESE DE PERNAMBUCO.
- Estêvão Palitot
- 7 de jan. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 22 de jan. de 2023
Relatório do Bispo de Pernambuco Dom Frei Francisco de Lima, descrevendo a Diocese, suas paróquias, as missões existentes e aquelas que foram criadas.
Imagem da capa:
Aldeia de Tapuias. Pintura de Johann Moritz Rugendas. 1835.
Da série de relatórios episcopais da Diocese de Pernambuco este é o mais detalhado e rico. Nele o Bispo relata a estrutura eclesiástica da diocese e as visitas que realizou. Também detalha as missões que encontrou organizadas nas aldeias e aquelas que determinou que se fizessem.
É um documento importante pois revela a mudança geral na lógica da administração colonial naquele período, indicando a criação de novos centros de autoridade nos sertões longínquos e os esforços de estender a presença da Igreja Católica sobre os povos indígenas da vasta área da Diocese.
O Bispo assim descreve a Diocese.
He o Bispado de Pernambuco grandiosamente dilatado. Tem por termo da parte do Sul o grande rio de São Francisco, que vem do interior do sertão desagoar no Oceano, e vem dividindo o distrito de Pernambuco do arcebispado da Bahia, Metropoli dos Estados do Brasil. Da parte do Norte tem por termo o grande rio Parnaiba, que tambem desagoa no Oceano, e vem correndo do sertão, dividindo o dito bispado do Maranhão. Entre hum e outro termo se dilata o bispado pela costa do mar mays de 250 legoas. Porém, subindo para o interior do sertão, como o rio de São Francisco se vai inclinando para a parte do Sul, e o Parnaiba para a parte do Norte, vem a mediar entre hum e outro Rio, atravessando pelo sertão de Norte a Sul, mays de 400 legoas. E tudo o que medeya entre hum e outro rio, pertence ao dito bispado de Pernambuco, como tambem pertence tudo o que vai do Nascente ao Poente, desde a costa do mar para o interior do sertão, entre hum e outro rio, e vai confinar com as Indias de Espanha. Porém, só 600 legoas de Nascente a Poente tem alguns habitadores brancos, e as mays terras ainda se não descobrirão, e são habitadas de nações de gentios barbaros em tanta multidão que podem competir no numero com as folhas das arvores.
A composição urbana do Bispado é marcada pela existência de três cidades - Olinda, Parahíba e Rio Grande (Natal) - e oito vilas: Goyana, Igarassu, Itamaracá, Recife, Serinhaem, Porto Calvo, Alagoa do Sul e Penedo. Além dessas existia a capitania do Seará Grande, situada na Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção e mais 23 lugares. A maior parte dessa rede urbana e administrativa situava-se na zona litorânea, organizada em torno do cultivo da cana-de-açúcar. Porém, 4 novos lugares haviam sido criados nos sertões distantes, como uma forma de reorganizar a ocupação colonial centralizando instâncias de poder administrativo e eclesiástico.
Os novos lugares eram:
Lugar entre Pinhancó e Piranhas (Sertão da Paraíba)
Matriz da Conceyção Rodella (no rio São Francisco)
Paróquia Nossa Senhora da Vitória (rio de Piauhi)
Rio Grande do Sul (no rio São Francisco)
Quando o Bispo chegou na Diocese no ano de 1696 encontrou 18 missões realizando a catequese dos indígenas e determinou a criação de mais 33 missões, especialmente nos sertões. Algumas dessas novas missões não passaram de missões volantes, ou seja, expedições para a conversão de indígenas, mas que não fixaram nenhum grupo ao redor de uma sede missionária.
As missões já existentes estavam sob a responsabilidade de seis ordens religiosas: carmelitas (02), beneditinos (01), franciscanos (03), jesuítas (04), capuchinhos franceses (04) e oratorianos (04). Sua distribuição é indicativa do volume da população indígena em determinadas regiões como o litoral, o rio São Francisco, o Ceará e a Ibiapaba. Mas também revela ações estratégicas em regiões marcadas por conflitos. Foi assim que Palmares permaneceu cercado por quatro aldeias de caboclos; os sertões do Assu e Jaguaribe, palco da Guerra dos Bárbaros, receberam esforços missionários para catequizar os Paiacus e Janduís; o rio São Francisco e o vasto serão do Piauí foram alvos de uma intensa campanha de missões volantes e criação de aldeamentos.
O esforço missionário relatado pelo Bispo contou com a atuação de ordens missionárias que ampliaram o número de aldeias, mas utilizou principalmente de clérigos missionários vinculados diretamente à autoridade do Bispo, que foram a ampla maioria. As novas missões foram assim distribuídas:
Oratorianos (02 aldeias na ribeira do Jaguaribe)
Franciscanos (03 aldeias no rio São Francisco)
Jesuítas (02 aldeias, uma no Jaguaribe e a outra no Apodi)
Carmelitas (01 aldeia na Paraíba)
Clérigos missionários (24 missões principalmente nos sertões)
A distribuição dessas missões na virada do século XVII para o XVIII consolida a territorialização dos povos indígenas nessa região pelos próximos séculos. Muitos dos aldeamentos fundados nesse período se tornarão em Vilas de Índios a partir de 1760 e, ainda hoje, constituem referenciais territoriais fundamentais para os povos indígenas contemporâneos.
Merece destaque ainda o relato do encontro do Bispo com Domingos Jorge Velho, no arraial do Palmar, onde o sertanista estava vivendo com soldados e muitos tapuias após a destruição do quilombo: Aqui foy necessario que chegasse o bispo em pessoa, a reprehender a escandalosa vida do mestre de campo, que sendo christão bautizado, o não parecia nos costumes. Descrevendo o paulista como "uma fera racional" que precisava ser domada, o prelado buscava agir como um instaurador da ordem colonial nos sertões conflagrados. Outros registros históricos mostram essa determinação do Bispo que enviou representantes como o Padre Miguel do Couto de Carvalho para os sertões do Piauí e Rodelas, para a instalação das novas freguesias (Galindo, 2017, p. 263).
Essas medidas eram complementares àquelas de envio de missionários e criação de novos aldeamentos. Os sertões nesse momento ainda se configuravam como amplos espaços abertos onde o poder colonial do estado português vacilava e a violência era a força estruturante das relações. Tropas oficiais, de curraleiros e paulistas percorriam os caminhos ásperos dando combate à indígenas e quilombolas. Os aldeamentos podiam representar alguma frágil proteção nesse novo mundo que surgia com fogo e chumbo, porém também eram espaços de controle e vigilância, de onde os indígenas não raro fugiam em buscas da liberdade nos espaços ainda abertos.
FONTE:
Relatório da visita ad Sacra Limina da diocese de Pernambuco [Olinda] remetido ao papa Clemente XI pelo bispo D. frei Francisco de Lima. 1701, julho [dia não referido], [local não referido]. Arquivo Apostolico Vaticano, Congregazione Concilio, Relationes Dioecesium, vol. 596, fls. não numerados.
Para saber mais:
Brito, Vanderley de. Missões na Capitania da Paraíba. Campina Grande: Cópias & Papéis, 2013.
Cavalvanti, Alessandra Figueiredo. Aldeamentos e política indigenista no bispado de Pernambuco – séculos XVII e XVIII. Mestrado, UFPE-CFCH, Recife, 2009.
Ennes, Ernesto. As Guerras nos Palmares: subsidios para a sua historia. São Paulo. Cia. Ed. Nacional, 1938.
Galindo, Marcos. O governo das almas: a expansão colonial no país dos tapuias (1651-1798). São Paulo. Hucitec Editora, 2017.
Lopes, Fátima Martins. Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Norte. Mossoró: Fundação Vingt-in Rosado, IHGRN, 2003 (coleção Mossoroense. Série C; V. 1379).
Medeiros, Maria do Céu. Igreja e dominação no Brasil escravista: o caso dos oratorianos de Pernambuco (1659-1830). João Pessoa. Idéia, 1993.
Medeiros, Ricardo Pinto de. O Descobrimento dos Outros: Povos indígenas do sertão nordestino no período colonial. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Recife, 2000.
Pompa, Cristina. Religião como tradução: missionários, tupi e "tapuia" no Brasil colonial. Bauru-SP, Edusc, 2003.
Puntoni, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo. Fapesp. 2002
Rocha, Vanessa Anelise Figueiredo da. Missões franciscanas como ferramenta da conquista dos sertões de Pernambuco (1659-1763). Dissertação de Mestrado. PPGH/CCHLA/UFRN. Natal. 2016.
Silva, Wesley de Oliveira. Índios de guerra: aldeamentos e tropas indígenas na capitania de Pernambuco entre 1660 e 1695. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em História, Recife, 2022
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