Um relato de Dom Estêvão Brioso de Figueiredo sobre catequese de indígenas e africanos dos Palmares na parte sul da Diocese de Pernambuco.
Dom Estêvão Brioso de Figueiredo, Bispo de Pernambuco, realizou em 1680 uma visita pastoral à parte sul da Diocese. Viajou desde a cidade de Olinda até o rio São Francisco, uma distância de mais de 80 léguas. Em relatório datado de 06 de agosto do mesmo ano, ele descreve ao Papa Inocêncio XI a organização das paróquias, os currais de gado e a catequese de indígenas e africanos dos Palmares. É a partir desse relato que construímos o mapa deste artigo.
O relato é curto e sucinto. O Bispo descreve a região desde o sul até o norte. Começando pela paróquia do Penedo, às margens do rio São Francisco, menciona sua vasta jurisdição e a divisão que realizou nela. Merece destaque a criação da paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no “longínquo sertão de Rodelas (Cabrobó)”, para atender aos criadores de gado que se espalhavam por uma distância de mais de 370 léguas. Apesar de, neste período, já existirem vários aldeamentos missionários capuchinhos franceses nas margens e ilhas do São Francisco, o Bispo não os menciona.
Seguindo adiante, rumo ao norte, faz referência às paróquias e aldeamentos localizados na área de mata atlântica entre Alagoas e Pernambuco com destaque para as aldeias de S. Mauro (Santo Amaro) e São Miguel de Una, missionados pelos franciscanos, e N. Sa. da Apresentação do Ipojuca (Escada), missionada pelos Oratorianos. Outros documentos do mesmo período atestam que essas aldeias eram formadas por caboclos de língua geral, indígenas Potiguara e Tabajara, em grande parte alistados no terço militar do Camarão.
Além desses aldeamentos, menciona a existência de “uma colônia de certos africanos dos Palmares”, próxima à Vila de Serinhaém e que era assistida pelos padres Oratorianos. O Bispo diz que essa colônia estava dispersa pela repartição dos africanos por outros lugares, mas mesmo assim ministrou o crisma a alguns deles, que tinham sido catequizados pelos missionários. Provavelmente esta “colônia de africanos” era o mocambo de Ganga Zumba, que havia feito um acordo com o governo de Pernambuco e se mudado com seus liderados para o lugar de Cucaú. O Bispo não menciona nomes de líderes e nem a existência de outros mocambos e quilombos pela região. No portal Documenta Palmares é possível acessar uma plataforma de mapas digitais que trata de forma detalhada a cartografia dos quilombos nesse período.
Por fim, Dom Estêvão faz uma referência aos missionários que estava enviando para a região do Siará, no limite norte da Diocese e fora da área que visitou, para catequizar a “imensa quantidade de índios e de tapuias” que lá viviam. A íntegra do relatório, com detalhes das práticas religiosas durante a visita pode ser conferida no site do projeto ReligionAJE - Religião, administração e justiça eclesiástica no Império Português (1514-1750) / Universidade de Coimbra, sessão destinada à Olinda
Entre os aldeamentos indígenas citados estão S. Mauro, N. S. Apresentação, S. Miguel de Una e Siará, além deles também é citada a Colônia de Africanos dos Palmares [Cucaú].
O aldeamento de S. Mauro ficou mais conhecido como Santo Amaro e teve longa existência nas proximidades da Lagoa Manguaba, vizinho ao atual município de Pilar, em Alagoas. Sua população era composta por indígenas de língua tupi.
N. S. da Apresentação também possui uma longa história, sendo conhecido como Caetés, Ipojuca e Escada. Atualmente se localiza na sede do município de Escada, em Pernambuco. Às margens do rio Ipojuca. Sua população era composta por indígenas de língua tupi.
S. Miguel de Una também foi um aldeamento com longa duração histórica. Fica nas imediações da atual cidade pernambucana de Barreiros. Sua população era composta por indígenas de língua tupi.
Por causa de sua posição estratégica, essas três aldeias estiveram envolvidas diretamente nos ataques aos Palmares e os indígenas estavam organizados no Terço Militar do Camarão. Em São Miguel de Una ficava a residência do Governador dos Índios, comandante do terço e descendente da família de Felipe Camarão.
A referência ao Siará (Ceará) nos informa que esta ainda era uma região não plenamente controlada pelo poder colonial em 1680 e onde vivia de forma autônoma uma grande diversidade de indígenas, tanto de língua tupi, quanto de línguas não tupi (tapuias).
FONTE:
1680, agosto 6, Olinda - Relatório da visita ad Sacra Limina da diocese de Pernambuco [Olinda] remetido ao papa Inocêncio XI pelo bispo D. Estêvão Brioso de Figueiredo Arquivo Apostolico Vaticano, Congregazione Concilio, Relationes Dioecesium, vol. 596, fl. 1-2. 1 Traduzido, do latim para português, por António Guimarães Pinto.
Para saber mais:
Brito, Vanderley de. Missões na Capitania da Paraíba. Campina Grande: Cópias & Papéis, 2013.
Cavalvanti, Alessandra Figueiredo. Aldeamentos e política indigenista no bispado de Pernambuco – séculos XVII e XVIII. Mestrado, UFPE-CFCH, Recife, 2009.
Galindo, Marcos. O governo das almas: a expansão colonial no país dos tapuias (1651-1798). São Paulo. Hucitec Editora, 2017.
Lopes, Fátima Martins. Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Norte. Mossoró: Fundação Vingt-in Rosado, IHGRN, 2003 (coleção Mossoroense. Série C; V. 1379).
Medeiros, Maria do Céu. Igreja e dominação no Brasil escravista: o caso dos oratorianos de Pernambuco (1659-1830). João Pessoa. Idéia, 1993.
Medeiros, Ricardo Pinto de. O Descobrimento dos Outros: Povos indígenas do sertão nordestino no período colonial. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Recife, 2000.
Puntoni, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo. Fapesp. 2002
Rocha, Vanessa Anelise Figueiredo da. Missões franciscanas como ferramenta da conquista dos sertões de Pernambuco (1659-1763). Dissertação de Mestrado. PPGH/CCHLA/UFRN. Natal. 2016.
Silva, Wesley de Oliveira. Índios de guerra: aldeamentos e tropas indígenas na capitania de Pernambuco entre 1660 e 1695. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Programa de PósGraduação emHistória, Recife, 2022
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